Curiosidade e leitura, criatividade e repertório
+ a rotina de leitura que funciona pra mim
Em 2013, eu e um grupo de voluntárias, demos uma aula de Global Mindset para adolescentes em uma escola particular. A frase final da apresentação era: sejam curiosos. O primeiro passo para conhecer o mundo, não é sair por aí, e sim começar a pesquisar sobre ele, uma coisa por vez. Brinco que este é o melhor conselho que podemos passar aos jovens. Criar interesse pelo que é diferente. Conhecer áreas que não conhecemos.
Eu lembro de estar numa aula de biologia no laboratório do colégio, chateada pois eu tinha dificuldade em estudar biologia e, em especial, estar no laboratório. Naquele dia, minha professora Ivana achou melhor sentar e conversar comigo: “Helena, eu não quero que goste de biologia, mas eu espero que você entenda que ela pode agregar ao seu repertório. Um dia você vai estar num ambiente com pessoas e um assunto pode surgir, e eu espero que você se lembre do que aprendeu comigo e isso possa abastecer você intelectualmente de alguma forma - nem que seja para uma conversa”.
Dez anos depois, eu estava num primeiro encontro com um médico, e conversávamos sobre cromoterapia e uma pesquisa acerca do uso de cores em hospitais como fator de melhora no tratamento de alguns pacientes... Óbvio que me lembrei de professora Ivana. Assim como também me lembro dela quando converso com o vizinho que tem como apicultura como hobby e com o zelador que me socorre com as minhas plantas e, claro, quando estudo criatividade e o texto apresenta o cérebro e seu funcionamento para entender os efeitos de experiências.. e a criatividade, como Your Brain on Art, que comentei no post abaixo.
Uma coisa que aprendi com a vida é que conversar com as pessoas, mostrar um interesse genuíno por seus gostos, seus interesses e projetos pode agregar tanto a nossa própria vida. Eu gosto desse tipo de contato, quando eu me coloco na posição de aprender o outro, conhecer seu mundo, o que faz brilhar seu olho, sabe?
Recentemente, depois do evento Cannes Lion, Camila Coutinho fez um reel ( cuja legenda é “A curiosidade vai salvar a cultura”) que dialoga muito com o que eu acredito e já falei inúmeras vezes aqui: precisamos dialogar com o diferente. E agora, com o uso intenso de redes e o algoritmo tentando otimizar cada vez mais nossas buscas, mais do que nunca, vamos precisar educar o olhar para uma vida mais criativa, frase esta aliás, que está na minha biografia no instagram, tamanha importância que vejo nisso. Não podemos apenas navegar por tópicos e belezas que nos atraem, é preciso entender outras estéticas, outros pontos de vista. Entender o que na fala dos outros nos incomoda/difere da nossa.

Eu me considero uma pessoa atraída pela simplicidade, gosto do movimento moderno, do minimalismo mas em minha casa é possível encontrar livros com os mais diferentes tipos de arquitetura e decoração… Do moderno brasileiro visto sob os mais diferentes olhares, até a tradicional Rose Tarlow e sua casa com mobiliário cujo tecido é original do século XVII (!!!) até uma pent house cor-de-rosa estrambótica em Sutton Place e arquitetura tradicional japonesa. Tem espaço para (quase) tudo.
Ano passado, uma amiga me fez uma pergunta curiosa. Eu havia postado no Instagram a foto de uma receita que eu tinha acabado de testar, e ela me disse: “Helena, tenho curiosidade de saber como você vai encontrando o conteúdo que você curte” e mais de uma vez eu já ouvi comentários do tipo: “você conhece coisas que quase ninguém conhece.. como você faz isso?”.. eu dedico horas à pesquisa e não dependo apenas da internet pra isso.
Ainda frequento livrarias, bancas de jornal e compro revistas impressas, e assino revistas/jornais de fora também como a Kinfolk (que adoro) e o NYT ocasionalmente. Recentemente, passei a ler alguns dos exemplares de revistas e jornais disponíveis de forma gratuita na BibliOn, que conta com The Economist, The Wall Street Journal, a revista L’officiel (a que eu mais compro) e tantos outros daqui e de fora. Um curiosidade: recentemente, comprei uma revista de noivas e tinha itens de design mais interessantes que as revistas de arquitetura que tenho visto nas bancas… pensar no público para o qual a publicação é feita, importa.
Tenho interesse em conhecer pessoas, suas casas e seus locais de trabalho. Se gosto do trabalho de alguém, como aconteceu com Gabriela Hearst, por exemplo, procuro conhecer sua casa - que a cerca? O que a inspira a criar? Como o seu olhar funciona para além do seu trabalho? Para conhecer um projeto novo, por exemplo, eu pesquiso no google todas as palavras chaves que queria, por exemplo: “Decoração + preto e branco + elegante + Townhouse + apartment + Nova York” e vou vendo os resultados ele me apresenta. Visito muitos sites de leilão (no mundo todo) em busca de mobiliários diferentes. Quando quero uma receita, por exemplo, listo os ingredientes que tenho em casa… Nas livrarias passo horas dedilhando seções diferentes das que costumo gostar. E olho especialmente os títulos que me causam estranhamento - mesmo que eu não os compre, observo.
Minha avó, que claramente poderia ser co-autora desta newsletter, já dizia: “olha, se você não conhece algo ou não sabe como aquilo é feito, você não pode avaliar”. Todo dia que ela ia lá em casa, ela levava uma revista de um tema diferente para gente ler (cultura, religião, castelos e moda eram os temas preferidos dela). Sou curiosa. Sempre que penso: Eu não sei, eu pesquiso para conhecer. Recentemente, li uma frase que amei, é da ganhadora do Nobel, Wisława Szymborska, que diz: “A inspiração, seja ela o que for, nasce de um incessante ‘não sei’” e dado meu interesse na frase, fui pesquisá-la e encontrei-a completa, dizia assim: “Existem médicos, pedagogos, jardineiros e centenas de outros profissionais assim. Seu trabalho pode ser uma constante aventura desde que consigam ver nele sempre novos desafios. Apesar das dificuldades e fracassos, sua curiosidade não arrefece. A cada problema resolvido segue-se um enxame de novas perguntas”.
Eu tive quatro momentos importantes na escola da oitava série ao ensino médio e que formaram as bases desses diálogos com o diferente e a ampliação do meu repertório: (1) minha primeira nota 7, uma prova de história do professor Osíris, que me disse que para tirar 10 com ele eu precisaria mostrar mais conhecimento do que o que ele expunha em sala de aula. (2) Ao começar a fazer aulas de redação em preparação para o vestibular, aprendi a sempre expôr os dois lados de um mesmo assunto. Então, a estrutura base era sempre: 1 parágrafo de Introdução, três de desenvolvimento - nos quais os dois lados acerca de um tema deveriam ser expostos - na 3a pessoa, e um quinto parágrafo de conclusão a partir da análise do desenvolvimento. (3) Quando uma professora me disse que eu usei palavras na redação que não existiam e eu mostrei no dicionário que sim, pois as havia aprendido lendo meu primeiro livro em inglês com dicionário do lado. (4) Quando eu tirei um zero no trabalho de geografia da professora Alcione, uma das melhores professoras que eu já tive, e ela me disse: “Você não me mostrou o que aprendeu com a sua pesquisa” - ou seja, não basta pesquisar, é preciso expôr aquilo de acordo com a minha visão.
Eu sempre gostei de ler. Eu cresci num ambiente propício à leitura. Em todos os lugares que íamos era possível encontrar livros e pessoas lendo. O exemplo estava por todos os lados. A leitura estava presente em todos os lados. E eu via as recompensas da leitura - seja no meu repertório, no meu vocabulário e até mesmo na alegria de fugir da realidade por alguns minutos e viajar - seja para Grécia com Lena, ou experimentar marzipãs com Sofia na Noruega. (eu lembro o trabalho que eu dei pra minha mãe pois em nossa cidade não existia marzipã e eu queria muito conhecer o doce que a personagem comia). A leitura foi o que mais estimulou a minha curiosidade perante o mundo e a vida. Hoje em dia, ao ver livros censurados eu fico estarrecida, pois livros são fontes de infindáveis conversas, propiciam o diálogo e incentivam a criação do senso crítico. Como introvertida que sou, já aos 12 anos, uma pequena bookworm, eu passava as tardes de uniforme sentada no sofá lendo livros e conhecendo novas histórias. Ninguém me tirava aquele prazer. Minha mãe, por bem, tentou me castigar escondendo meus livros uma vez, mas viu que aquilo me trazia enorme descontentamento e tristeza.
Com o tempo, o tempo de leitura foi ficando cada vez menor. No ensino médio li pouquíssimo por prazer. Demorei quase um ano para terminar “Reparação”, de Ian McEwan, um dos melhores livros que li até hoje e que temo reler para não perder o encanto. A rotina de estudos não me permitia continuar. As leituras eram as leituras obrigatórias de vestibular… O único momento que eu ficava em casa era nas tardes de quinta-feira, quando eu estudava e cumpria as tarefas escolares da semana, e nas tardes de domingo, quando eu via a maratona de Brothers and Sisters, pois não aguentava estudar mais. Minhas leituras passaram a ser o jornal dos vizinhos, que eu li na portaria esperando o transporte escolar, o livro (extra) de História indicado pela professora Alcione e todo o material de habilidade específica indicados pelos vestibulares. Foi nesse momento também que eu me encantei com “As cidades invisíveis” de Ítalo Calvino e descobri que Diogo Mainardi era um ótimo tradutor, embora pudesse causar desconfiança se citado de maneira incorreta em redações nos vestibulares para universidades federais. A vida me apresentava um novo modo de encarar como as pessoas nos viam - a partir das leituras que consumíamos.
Atualmente, eu tenho uma rotina diferente. O jornal na portaria virou o podcast que começo a ouvir ao terminar o café… as tardes depois de escola se tornaram as tardes dos finais de semanas. Eu não confio tanto nas indicações do algoritmo para livros, eu prefiro a indicação de livreiros, amigos e pessoas que gosto de seguir - tenham ela um gosto diferente ou parecido com o meu. Troco dicas com amigas, com Maria Ruth, minha amiga que comanda o
, brinco que temos um clube do livro só nosso e como ele é enriquecedor! Ouço podcasts de pessoas que pensam diferente de mim (e suspendo o julgamento sempre que o faço para avaliar com calma), sigo pessoas que gostam de estéticas diferentes das que aprecio para conhecer coisas diferentes. Observo sem julgar. Aliás, pelo Design Thinking só podemos observar pessoas e gerar ideias com a suspensão do julgamento. E também só conseguimos ter uma comunicação não violenta sem julgar.1Eu já li 34 livros este ano, não são tantos para alguns, mas é muito mais do que a média das pessoas lêem. Esta semana, um leitor da newsletter, me perguntaram minha rotina de leitura, e aqui vai um segredo, que aprendi com Elizabeth Gilbert há muitos anos, quando a assisti presencialmente: Reservo o melhor horário do dia para o que eu mais amo: ler. Não consigo ler antes de dormir, pois eu tenho o péssimo hábito de dormir com a TV ligada - o que funciona como um sonífero para mim. Gosto de ler, quando posso, por um tempo após o café da manhã (melhor horário do dia pra mim), e durante uma pausa no café da tarde, ou após o almoço - às vezes alguns (20) minutos bastam. Quando posso, passo as tardes de sábado ou de domingo lendo.
Em minha agenda (uso esta) há um diário no qual marco todas as leituras que fiz e, às vezes, passo semanas sem ler/ouvir um livro. Entendo que alguns livros merecem mais atenção que outros, por isso, entender quando e onde ler cada um é fundamental. Livros de estudo as vezes vão requerer uma tarde de leitura atenta - o que acaba sendo uma parte de trabalho, então reservo umas horas de estudos durante a semana (atualmente, que preciso fazer isso para dar aulas, faço isso nas tardes de terça-feira). Livros por prazer - especialmente ficção, eu acabo devorando a hora que for - o meu problema é que se a ficção for boa demais, eu não consigo fazer pausas longas tamanha a curiosidade, por isso tem a época certa do ano para me dedicar à estes, como no final do ano, quando tenho mais tempo para me dedicar à leitura. Também costumo dedicar alguns sábados para leituras assim, pois sei que poderei ler até onde quiser, se precisar, sem pausar. (Ler não me impede de ter vida social, ok? rs)
Costumo caminhar ouvindo audiobooks, e aproveito também para ouví-los quando vou cozinhar, fazer alguma refeição ou organizar algo em casa - sempre escolhendo a velocidade adequada - às vezes vai ser um 2.0x, às vezes 0.75x, é um estímulo e uma companhia pra mim, já que moro sozinha. Nos tempos atuais, audiobooks viraram meus melhores amigos nesse processo de leitura. Foi por meio de audiobooks que retomei o prazer pela leitura após os 4 anos de leituras criticas dedicados à pesquisa de doutorado.
Reese Witherspoon, que fez do clube do livro um negócio, postou um reel no qual ela comenta que algumas pessoas são criticadas por não lerem e sim ouvirem livros e ela comenta que não há um jeito certo de absorver um livro. Ao vê-lo me lembrei da pirâmide de William Glasser, que diz que aprendemos mais quando escutamos do que quando lemos. Eu sinto que costumo fixar mais os livros que ouço do que os que leio, mas é ainda melhor quando posso ler e ouvir ao mesmo tempo, embora isso exija mais investimento, tempo e atenção. Alguns livros eu só consegui terminar ao ouvir o audiobook pois a narração me empolga mais do que a leitura em si. Hoje, temos bons recursos de audiolivros (seja em português ou em inglês), e o preço tem ficado cada vez mais atrativo também.
Quando perguntaram a Charles Eames acerca da criação da poltrona Eames, aquela de couro e madeira que já mencionamos aqui, ele disse que foi um lampejo de 30 anos. Criatividade não é algo mítico como alguns propõem, a exemplo de Rick Rubin - como se fosse algo que fica à espreita esperando ser “canalizado”. A criação é fruto de teste, fracassos, erros e acertos, mas mais importante ainda: a criatividade deriva de toda observação que fazemos do mundo e do repertório que construímos ao longo de uma vida! E nisso, retomo a frase de Szymborska acerca de inspiração e curiosidade. Precisamos nos manter curiosos, procurar sempre ampliar nosso repertório pois isso tudo vai influenciar o nosso criar - seja de uma cadeira ou de um texto.
Acho que hoje, mais do que nunca, dedilhar os livros em uma livraria sem procurar, permitindo encontrar algo por acaso, deixar a serendipidade agir… procurar coisas diferente do que estamos habituados - e isso, como já mencionamos aqui, pode ser até mesmo consumir um tempero diferente (como mencionei no post abaixo) - ajuda a ampliar nosso repertório e nos mostra como estamos abertos ao novo, característica fundamental dos inovadores. Não podemos ser reféns de algo que só vai nos indicar algo baseados em escolhas passadas, precisamos ampliar o leque.
Este ano eu já li acerca de mulheres viajantes, uma escritora considerada rebelde no colégio de freiras, e pessoas inovadoras. Estudei trauma. Li poesias. Aprendi que defender meu gosto é uma forma de me defender, e li pelo menos uns 4 romances por pura diversão, sem me preocupar se tinham sido laureados ou não… Ah, e li livros sobre velejar nos quais eu tinha que recorrer ao glossário ou ao google para entender alguns termos… também aprendi a abandonar alguns livros e terminar outros, mesmo que seis anos depois. Ler é, e sempre foi, a minha forma preferida de matar minha curiosidade e ampliar o repertório.
Dos livros que li por prazer até agora, li um romance chamado: “The Bookworm's Guide to Dating” de Emma Hart algo como “O guia da paquera da leitora ávida”, cuja a primeira regra era: não fale muito “eu li num livro” ou “sobre o que você está lendo”, e esta é a coisa que eu mais faço na vida… sempre tem uma leitura sendo feira, ou algo que eu li num livro e que quero compartilhar numa conversa. Afinal, não é essa uma forma de aprendizado ativo e nós devemos ter o Lifelong Learning em mente? risos.
Até breve, quando eu espero ter terminado mais um livro e ter algo novo para dividir com você!
Suspender o julgamento nos permite ver e avaliar uma situação com clareza. Um exemplo simples que eu sempre dou é o seguinte: Ao sentir um perfume, se eu falo que perfume horrível - eu estou julgando. Ao observar o perfume, eu menciono a sensação que ele me passa: um perfume doce com muitas flores. Ao avaliar, eu falo que aquele é um perfume doce, com notas que me causam estranhamento e desconforto e que por isso ele não me agrada.